Ocupação colonial e patriarcado na Palestina: entrevista com Ruba Odeh

05/01/2021 |

Por Capire

A palestina Ruba Odeh conversou com Capire sobre as lutas das mulheres contra a ocupação de seu território.

Foto/Photo: Ruba Odeh

Estamos fazendo da luta feminista uma fonte primária para as lutas dos povos pela libertação

A equipe do Capire conversou com Ruba Odeh, representante do Oriente Médio e Norte da África (MENA) no Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres e membra da União dos Comitês de Mulheres Palestinas (UPWC), sobre a ocupação colonialista de Israel na Palestina, seus métodos violentos permanentes, como a destruição de casas e lavouras, e sobre o genocídio que está em curso. Nesta entrevista, Ruba falou sobre a vida das mulheres palestinas durante a pandemia de covid-19, a criminalização das lutas sociais, e sobre as lutas comuns das mulheres na região MENA, destacando os desafios para o feminismo popular internacional.

A UPWC é uma organização feminista, progressista e civil popular, formada em 1980, que luta para garantir a afirmação das mulheres nas leis vigentes na Palestina. Faz parte do movimento nacional palestino, que luta contra a ocupação israelense para alcançar a independência nacional. Acompanhe a entrevista com Ruba abaixo:

Gostaríamos de falar primeiro sobre a Palestina. Como podemos caracterizar, hoje, a política colonialista de Israel na Palestina?

A Palestina, com capital em Jerusalém, ainda está sob prolongada ocupação israelense. Esta é uma violação às regras do Direito Internacional. A ocupação impede a independência, soberania e desenvolvimento do povo palestino. Obstrui o acesso de homens e mulheres palestinos a seus direitos naturais e inerentes, tais como o direito de retorno, autodeterminação e estabelecimento de um Estado da Palestina totalmente soberano. A ocupação israelense continua implementando políticas sistemáticas com o objetivo de deslocar os palestinos originários de suas terras. Usando uma força militar brutal, Israel promove a anexação de territórios palestinos, a apropriação de recursos naturais, o deslocamento forçado, assassinato deliberado, cerco, isolamento e restrição à liberdade de movimento.

As mulheres, especialmente aquelas que vivem em áreas sob o controle total da ocupação, enfrentam muitos problemas devido à ocupação israelense e o consequente fechamento destas áreas. A maioria desses territórios é destinada em benefício dos assentamentos israelenses e dos militares israelenses, aumentando as violações e os ataques aos meios de subsistência das comunidades palestinas, com consequências significativas para toda a população da Cisjordânia. As pessoas vivem sob incerteza e ameaça, sendo compelidas a partir.

O que essas políticas significam para as mulheres durante a pandemia de covid-19?

Na Palestina, o perigo não se limita à covid-19, estando presente também na continuação da ocupação israelense e suas políticas opressoras, que se aprofundaram durante a pandemia. Israel anunciou, em maio de 2020, sua política de anexação, que inclui a decisão do governo de ocupação de anexar alguns dos territórios da Cisjordânia. Isso contradiz o apelo internacional, das Nações Unidas, para interromper os conflitos em todas as partes do mundo para lidar com a pandemia de covid-19. A Faixa de Gaza, sitiada desde 2006, sofreu um duplo isolamento durante a pandemia, isolada da Cisjordânia e do mundo por causa da política imposta pela ocupação israelense. As sucessivas operações militares israelenses causam destruição, pobreza, agravamento das condições de saúde e aumento da violência, especialmente contra mulheres e meninas. A ocupação colonial, combinada com o patriarcado, reforça a opressão das mulheres na Palestina.

Durante a pandemia, os centros de atendimento do governo foram suspensos, o que teve grande impacto na vida das mulheres, porque não havia alternativas para a atenção básica e também para a saúde reprodutiva. As mulheres e meninas palestinas correm o risco de sofrer várias formas de violência, desde a violência doméstica, assédio sexual, estupro, os chamados “crimes de honra”, a negação de recursos e casamento forçado. A ocupação é um fator que perpetua a violência contra as mulheres na comunidade palestina. As mulheres trabalhadoras constituem uma proporção significativa das mulheres que enfrentam essa realidade e são também as que avançam na luta das mulheres pela igualdade e dignidade. Com o aumento da violência doméstica durante a pandemia, muitos impactos podem ser destacados, como problemas de saúde em gestantes, doenças sexuais e abortos inseguros.

As mulheres palestinas carregam o peso da violência combinada, a violência da ocupação e das famílias, o deslocamento dos seus territórios, as políticas de apartheid e o cerco da Faixa de Gaza. Elas enfrentam o desafio de resistir e combater dois vírus: o da ocupação sionista e o coronavírus. Isso começou a evidenciar a profundidade do desastre político e econômico que atinge a Palestina em todos os níveis.

Estamos sofrendo com a brutalidade da ocupação, com as prisões, incursões diárias, demolição de locais de residência, falta de fornecimento dos meios mais básicos de proteção à saúde contra a epidemia. Há o silêncio da cobertura da mídia sobre a situação dos palestinos que vivem diretamente sob a autoridade da ocupação sionista, especialmente da situação dos presos políticos. Existem atualmente cerca de cinco mil presos nas prisões de ocupação, incluindo 41 mulheres e mais de 200 crianças em condições de saúde precárias, o que aumenta a preocupação com a disseminação de covid-19 entre eles.

Você poderia nos contar sobre os mecanismos de criminalização usados por Israel contra os cidadãos palestinos, especialmente as mulheres?

As mulheres palestinas têm sofrido, direta ou indiretamente, os horrores da ocupação, desde a Nakba em 1948 até os dias atuais. Os ataques contínuos da ocupação israelense levaram à deterioração das condições humanitárias, sociais, econômicas e de segurança nos territórios palestinos ocupados e na Faixa de Gaza. E isso afeta direta e negativamente as condições das mulheres palestinas em termos de segurança e proteção, participação econômica e política, e a capacidade das mulheres de acessar serviços básicos, como saúde e educação. As mulheres estão expostas a mecanismos criminosos usados ​​pela ocupação, e a violações no dia a dia, tais como a restrição da liberdade de movimento e do direito à saúde, prisão e detenção arbitrárias, tortura e outros maus tratos, mortes sob custódia, expulsões forçadas e violação da liberdade de expressão. Também se inclui o sofrimento das mulheres com suas famílias palestinas, as formas de tortura a que são submetidas, as condições precárias de detenção nas prisões de ocupação, especialmente diante da disseminação da covid-19. Métodos brutais de detenção são praticados pelo exército de ocupação durante as operações de prisão e a transferência ilegal de mulheres detidas para prisões dentro de Israel, como a prisão de Hasharon, onde, na maioria dos casos, elas são impedidas de se comunicar com suas famílias e são mantidas em prisões inadequadas. As mulheres estão expostas a ameaças, provocações e assédios físicos, psicológicos e sexuais que têm efeitos negativos de longo prazo.

A violência é praticada por colonos israelenses contra residentes que moram em locais próximos às terras ocupadas, afetando todos os aspectos da vida diária, especialmente de mulheres e crianças, que sofrem restrições em seu movimento, com impacto no acesso a escolas e universidades, a uma vida normal e segura. Muitos casos de incursões noturnas foram documentados por Centros de Pesquisa, destacando suas implicações psicológicas e sociais, desde desestabilizar a segurança de famílias palestinas, intimidar crianças, destruir propriedades, deter familiares usando cães policiais, bombas, armas de incursão e outros meios.

Qual é o papel desempenhado pelos interesses econômicos transnacionais e o papel do imperialismo na região?

As políticas econômicas e sociais de nossos países estão baseadas na submissão e subordinação aos centros do capital internacional. Eles são tanto o produto como o alimento para feminilizar continuamente a pobreza e a fome, espalhar o desemprego, manter o analfabetismo e a violência contra as mulheres.

Os donos do capital acumulam cada vez mais riqueza e poder, enquanto destroem a natureza, violam e expulsam as pessoas dos lugares onde viveram por toda a vida. Este poder possui muitas ferramentas para colocar os países e seus recursos a serviço do lucro e não da vida das pessoas. A privatização dos serviços públicos é instrumento de políticas de austeridade lideradas pelo Banco Mundial em muitos países, responsáveis pelo enfraquecimento dos serviços públicos de saúde, que entraram em colapso nesta epidemia. Nós resistimos ao livre comércio e lutamos pela integração dos povos. Sabemos que o trabalho só pode ser menos custoso para os empresários se os trabalhadores não tiverem direitos assegurados, enfrentarem longas jornadas de trabalho e receberem baixos salários.

Conflitos armados, colonização direta e intervenções neoliberais resultaram em um grande custo humano internacional, em números sem precedentes de imigrantes e refugiados dentro e fora da área. Mais da metade dos refugiados do mundo atualmente vêm da região do Oriente Médio e Norte da África. Também tiveram como resultado terras violadas e colonização de assentamentos na Palestina, onde as mulheres, crianças e todos os residentes estão sendo expulsos, à vista da comunidade internacional. Civilizações inteiras, povos originários e cidades foram destruídas pela máquina de guerra capitalista sob muitos títulos.

Enfrentamos a escalada das conspirações sionistas e imperialistas contra o povo palestino, mas também a intensificação da violência sectária contra o povo iraquiano, ameaças aos ganhos da revolução na Tunísia, violações flagrantes de direitos e liberdades no Marrocos, prisões e torturas contra o povo curdo e seus prisioneiros políticos pelo regime reacionário na Turquia, a terrível tragédia que afetou o povo libanês como resultado da explosão no porto de Beirute, e as inundações que devastaram o Sudão e seu povo e levaram à destruição em massa de moradias, terras e vidas.

O que as mulheres e os movimentos sociais de todo o mundo poderiam fazer para fortalecer suas lutas pela autodeterminação?

Os movimentos sociais em todo o mundo têm desempenhado um papel importante, diante da ausência ou declínio do papel das autoridades oficiais, dos Estados e dos partidos políticos. Aumentou a responsabilidade pela solidariedade política e social, que inclui o combate à exploração, ao monopólio, à mercantilização, ao consumo imposto pelo sistema econômico atual e às práticas econômicas. O movimento de boicote BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) tornou-se uma arma poderosa diante de tentativas e projetos perigosos de normalização nos níveis palestino, árabe e internacional. Essa normalização é ainda mais perigosa quando combinada com o “Acordo do Século”, que quer liquidar todos os componentes da causa palestina, incluindo o direito de retorno dos refugiados às suas casas de onde foram expulsos, e o direito dos palestinos à autodeterminação em liberdade e dignidade, incluindo nosso direito de estabelecer nosso Estado livre, independente e totalmente soberano, com Jerusalém como sua capital.

Precisamos aumentar as atividades do movimento BDS e intensificar nessa luta o movimento de solidariedade com nosso povo, para retirar os investimentos do Estado de ocupação, dos assentamentos coloniais e do sistema de apartheid que a ocupação criou. Para isso, é preciso se opor à normalização. Significa resistir e isolar o regime colonial e racista israelense. O que é necessário agora é abraçar a luta palestina, demonstrar solidariedade com nossa causa justa e apoiar o povo palestino em nossa luta pela autodeterminação.

O que as mulheres do Oriente Médio e do Norte da África fazem para criar as condições e levar adiante a organização feminista e suas lutas pela liberdade e autodeterminação?

Apesar das diferentes características políticas de cada país da região, e apesar das diferenças históricas e geográficas de um país para outro, os desafios enfrentados pelas mulheres em nossa região permanecem os mesmos. Enfrentamos o sistema social patriarcal que impõe hierarquias, tornando as mulheres vulneráveis ​​à exploração e à violência devido à divisão tradicional de papéis imposta por esse sistema. A religião costuma ser usada com severidade para justificar a discriminação e a legalização da violência.

As mulheres estão sob pressão de regimes reacionários e de suas políticas neoliberais, que as usam como combustível para sua continuidade. As mulheres na Palestina estão sujeitas aos crimes de ocupação de forma mais severa, mas essa opressão é enfrentada por todas as mulheres da região pelas conexões e interesses mútuos entre os regimes vigentes, o imperialismo e a ocupação. A pandemia de covid-19 também teve muitos impactos terríveis e semelhantes para as mulheres da região, como o aumento da violência, a perda da renda e a pobreza generalizada.

A unidade do sofrimento e a unidade do destino entre as mulheres da região exige grandes tarefas para nossa coordenação como Marcha Mundial das Mulheres. O marco que nos une combina as lutas antipatriarcais, anticapitalistas, contra o racismo, a ocupação e todos os tipos de exploração e discriminação.

Estamos fazendo da luta feminista uma fonte primária para as lutas dos povos pela libertação, pela conquista da justiça social e da igualdade sob o lema da Marcha Mundial das Mulheres “Resistimos para viver e marchamos para transformar”. Conhecendo os obstáculos e desafios que precisamos superar, continuamos nossa marcha e reafirmamos nossas lutas contra as decisões políticas e econômicas deste sistema que faz avançar o capital transnacional selvagem, que está devastando todas as áreas da vida.

Nós estamos comprometidas com nosso direito de viver em um ambiente saudável, conscientes do impacto das mudanças climáticas nas mulheres e em seus meios de subsistência, conscientes da falta de água, de autonomia econômica e do direito à titularidade da terra. É por isso que exigimos leis que garantam herança igual para garantir o acesso das mulheres à terra e aos recursos públicos do estado.

Defendemos nosso direito a uma educação popular e a uma cultura nacional para estabelecer uma sociedade não discriminatória e baseada em uma cultura de igualdade. E defendemos nosso direito de proteger e melhorar a qualidade da saúde pública, o direito universal direito à saúde, incluindo o direito ao aborto e os direitos sexuais e reprodutivos.

Temos trabalhado pela nossa soberania alimentar, que é parte integrante da soberania nacional, pois fortalece as economias locais e nacionais. Inclui a prioridade da agricultura familiar e camponesa, os métodos tradicionais de pesca e a criação de gado de pasto, além de formas de produção, distribuição e consumo de alimentos que se baseiam no princípio da sustentabilidade ambiental, social e econômica. Esse é o caminho alternativo para estabelecer novas relações sociais livres de todas as formas de perseguição e discriminação em função do sexo ou filiação, bem como etnia, classe social ou idade.

É nesse sentido que a Marcha Mundial das Mulheres está comprometida com o apoio absoluto e incondicional às mulheres e ao povo da Palestina em sua luta contra os últimos bastiões do colonialismo de assentamento, se opondo ao “Acordo do Século” e à normalização árabe.

Em nossa região, as mulheres ainda lutam para viver, e vivem pela mudança para um amanhã melhor, em que os povos da região vivam sem ocupação ou tirania, conquistem a igualdade de gênero, alcancem a autodeterminação em todos os níveis e gozem de seus direitos à saúde, à educação e à proteção de sua cultura local.

Traduzido do inglês por Bianca Pessoa

Entrevista concedida em inglês

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