Angel investing dá retorno?

Angel investing dá retorno?

Sou investidor anjo desde 2014. Com a venda da minha primeira startup, decidi que iria construir no Brasil aquilo que já acontecia no Silicon Valley há alguns anos, com os empreendedores que alcançam um certo patamar investindo na próxima geração de startups, seja com capital ou via conhecimento. Eu sou da opinião que essa forma de give back é uma das receitas para o contínuo ciclo de inovação que se observa nos EUA e queria fazer com que isso acontecesse no Brasil.

Meu primeiro angel investment no Brasil foi na 99, na época ainda chamada de 99Taxis, e investi junto com a Tiger no Series A da companhia. Todo mundo sabe que tivemos um final muito feliz com a venda da empresa para a Didi, mas frequentemente me perguntam se angel investing realmente dá retorno financeiro também.

Por isso resolvi escrever esse post, detalhar um pouco da minha estratégia de investimento e também demonstrar como funcionam os retornos nesses tipo de investimento. Para mim, é claro que um angel investing bem aplicado pode gerar bons retornos, mas eu invisto principalmente para mentorar e me conectar com empreendedores, compartilhar o risco ("skin in the game") e também aprender sobre os mercados em que eles atuam.

A teoria do angel investing

Pesquisas sugerem que é possível sim, ter um bom retorno financeiro com investimentos-anjo. Alguns números apontam para retornos de 2.2-2.5x o capital investido em 5-10 anos, dependendo da geografia.

Para isso acontecer, alguns conceitos importantes:

  1. O risco de investir em startups é muito alto. A probabilidade de um retorno de <1x em cada uma das empresas é muito alta, logo diversificação é importante. Pelo menos seis investimentos são fundamentais, mas provavelmente 20-25 são o mínimo para construir um portfólio.
  2. A liquidez em startups é baixíssima, e mesmo que o valor das empresas suba, isso não quer dizer que você tem acesso ao seu investimento. O famoso paper money. Eu calculo pelo menos 7-10 anos para o capital investido ficar travado nas empresas.
  3. Para você ter sucesso e conseguir montar um bom portfólio (sem que você esteja distribuindo lottery tickets), você precisa de dealflow, ou seja, as boas empresas precisam te procurar para o investimento. E poucas pessoas tem bom dealflow.

Tradicionalmente, no Brasil, quem era dono do dinheiro tinha acesso às melhores opções de investimento. E enquanto isso ainda pode ser o caso em produtos do mercado financeiro, o mesmo não se aplica em venture. Os melhores deals são acessados pelos melhores investidores e não por aqueles que necessariamente são ricos.

E como saber se alguém tem bom dealflow, ou não?

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Eu sempre assumo que sou um dos últimos a ver um investimento, pitch deck, etc. O que os outros sabem que eu não sei?

Além disso, uso alguns critérios no meu processo de decisão de investir em uma startup:

  1. Time de fundadores: experiência e skills, como se conhecem (e se já trabalharam juntos) e por que estão montando a startup que escolheram.
  2. Ideia / modelo: em que mercado estão jogando, qual é a sacada e como os unit economics se comportam; além disso, o negócio tem que poder ficar bem grande.
  3. Social proof: quem indicou a empresa? Quem mais vai investir? Quanto mais próximo a startup está do meu círculo de confiança, maior a chance de eu me animar a investir.
  4. Round dynamics: valuation, diluição, termos em geral.

O Fabrice Grinda, com quem já investi muitas vezes e que profissionalizou o angel investing em uma escala global tem ótimas dicas de critérios de avaliação de empresas.

Os dados históricos

Em 2014 então peguei todas essas teorias e comecei a investir como angel investor, tudo em parceria 50/50 com o Mate. E depois de quase cinco anos, os dados começam a ficar bem interessantes:

  • Já investimos em 47 empresas, sendo 12 no Brasil e o resto globalmente em Latam, Europa, Ásia e Estados Unidos.
  • A maior parte dos investimentos foi feita em 2018, com uma idade média aproximada de 2.2 anos para o portfólio; ou seja, ainda é muito cedo para dizer o que vai acontecer e os dados são mais tendências do que fatos.
  • Entre nós dois já são $1.3M investidos nessa estratégia, com esse portfólio atualmente avaliado em $3.8M, ou 2.9x MOI ("multiple of investment").
  • As realizações (venda de participações) somam apenas $178K, ou ~13% do capital investido; ou seja, grande parte do valor do portfólio ainda é "paper money".

Muito se fala do power law de venture capital, e como um número pequeno de empresas são responsáveis pela grande maioria dos retornos (o "80/20 rule"). E é bem legal ver isso aplicado na prática no nosso portfólio:

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Olhando para esse gráfico, vale lembrar que ainda são "early days" pelo portfólio ser muito jovem. Minha expectativa é que o breakout winner (nesse caso, a empresa que está valendo ~30x) será mais breakout ainda, e que a parte do meio do gráfico fique menos "gorda", com mais write-offs ou sucessos.

Quebrando o portfólio por geografia também gera algumas observações interessantes.

Brasil

  • 12 investimentos: 99, QuintoAndar, Quero, Méliuz, SmartMEI, Volanty, entre outros
  • $327K investidos com $158K de realizações (48% do investido)
  • Grande maioria dos investimentos em 2015 & 2016
  • Portfolio value de $1.5M, ou 5.0x MOI
  • (mesmo com apenas 3 realizações, houveram ofertas para venda da nossa participação em 5 dos 9 investimentos ainda não realizados -- ou seja, havia opção de liquidez)

LATAM

  • 8 investimentos: Platzi, Liftit, Runa, Tributi, Higia, Frubana, Ubits, Nyati
  • $220K investidos com 0% de realizações
  • 7/8 investimentos realizados em 2018 e 2019
  • Portfolio value de $582K, ou 2.6x MOI

International

  • 11 investimentos: Happyfresh, Cars24, Drag, DeCheChe, Bambus, entre outros
  • $355K investidos com 0% de realizações
  • 8/11 investimentos realizados em 2018 e 2019
  • Portfolio value de $875K, ou 2.5x MOI

USA

  • 16 investimentos: Brex, Divvy, Jetty, Yada, entre outros
  • $432K investidos com $20K de realizações (~5% do investido)
  • Investimentos distribuídos ao longo de 2015, 2016, 2017 e 2018
  • Portfolio value de $728K, ou 1.7x MOI

Colocando tudo isso por investimento em um gráfico gera a seguinte imagem:

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  1. Nossos retornos no Brasil são muito melhores do que nos outros mercados (voltando ao ponto do "sucker at the poker table"), mesmo tendo co-investido com pessoas muito boas, como o pessoal da Graph, por exemplo.
  2. Há muito menos write-offs no portfólio Brasil (zero, na verdade!) do que nos outros mercado, provando novamente a questão do acesso, mas também que empreendedores brasileiros são mais resilientes / desistem menos fácil. Talvez também o fato de que há menos capital disponível faça com que os empreendedores sejam mais criativos.
  3. A distribuição de retornos nos Estados Unidos segue a power law distribution de forma bem mais consistente. Novamente, acho que se trata de um acesso a deals piores, mas também demonstra a competitividade do mercado de lá -- que não consegue acesso a capital morre rápido enquanto os best deals tem muito mais concorrência. Note-se que a curva de Brasil é bem mais linear.

Olhando para o futuro

Olhando para o futuro e levando em consideração esses data points, devo fazer alguns ajustes no meu modelo de investimentos:

  1. Não invisto mais como angel no Brasil. Desde 2016 concentro toda a atividade de seed investing no Canary. E a parte mais legal é que os retornos no Canary tem mostrado mais potencial que nosso portfólio na física, mostrando o valor da marca, plataforma e do network ao nosso redor.
  2. Vou continuar investindo em empresas em Latam, onde acho que tenho acesso diferenciado. Por enquanto Mate e eu estamos usando nosso veículo GE32, mas pode ser que em um futuro breve façamos esses investimentos pela Canary também.
  3. Para os investimentos nos EUA e na Europa, devo alocar meu capital em fundos ao invés de investir diretamente. Está claro que meu acesso não é bom e que também não consigo ajudar as empresas tanto quanto no Brasil ou em Latam. O fundo da Andreessen nos EUA é um bom candidato, assim como a Cherry na Europa.
Leonardo Zamboni

Chief Marketing Officer @ CapTable Brasil | Captação de recursos e investimentos

1y

volto aqui de tempos em tempos hehe muito obrigado por compartilhar! tem alguma atualização?

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Ualllllllllll, uma verdadeira aula

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Leonardo Zamboni

Chief Marketing Officer @ CapTable Brasil | Captação de recursos e investimentos

3y

Muito bom!

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Dov B.

Gestor Fundo de Bolsas

3y

Florian Hagenbuch , faz um update desse post ;) como as coisas evoluíram 1 ano depois

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Juliano Nascimento Schaefer

Startup Health Tech Children Only

4y

Interessantíssimo esse artigo!!!!!🤔

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